A Assembleia da República procedeu ontem à Apreciação Parlamentar sobre o Decreto-Lei n.º 15/2007, Estatuto da Carreira Docente, tendo rejeitado todas as propostas de alteração propostas pelo PCP e pelo PSD.
Sobre esta matéria, solicitei – nos termos regimentais - à Direcção da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, liberdade de voto, que não me foi concedida.
No debate apresentei a declaração de voto que anexo.
Grato pela atenção dispensada
João Bernardo
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Declaração de voto
A minha posição, contrária a esta orientação de voto, é sustentada pelos seguintes argumentos:
- A revisão do anterior Estatuto da Carreira Docente do Ensino Não Superior é necessária, para que a progressão nas respectivas carreiras passe a depender de um efectivo exercício de competências, assim como de um modelo de avaliação de desempenho dos professores e educadores mais justo e incentivador do mérito.
- Torna-se imperioso instituir um regime que premeie as melhores práticas educativas, reconheça e estimule os melhores profissionais, e retribua, com equidade, o empenhamento na difícil condição de ser professor e educador.
- Defendo um Estatuto da Carreira Docente sensível a uma efectiva valorização de todo o complexo de qualidades pessoais e profissionais que definem o mérito de um professor, entre as quais ganham especial relevo a experiência, as competências e a formação.
- Urge a instituição de um regime de avaliação de desempenho, de maior exigência, mais centrado na prática pedagógica, promotor de mérito e indutor de uma verdadeira qualificação no desenvolvimento da carreira docente.
- A qualificação e a consolidação do papel social dos professores são imprescindíveis, tanto para o reconhecimento público de que são merecedores, como para o reforço da sua autoridade e prestígio, necessário à eficiência estratégica do investimento na qualificação dos Portugueses, de que Portugal tanto vem carecendo.
Todavia, o novo diploma, que consagra o novo Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, inviabiliza, em muitos aspectos, a consecução dos objectivos atrás referidos.
Assim:
- O novo diploma, produzindo alterações profundas na carreira docente - revogando a essência da legislação anterior, muita dela de autoria de governos do Partido Socialista - introduz, de forma artificial, um conceito de verticalização da carreira.
- A divisão dos professores em duas categorias terá repercussões negativas na organização interna dos estabelecimentos de ensino. A determinação do número de vagas para professor titular e o consequente concurso para a respectiva categoria não reconhece a dimensão mais relevante na actividade docente: a sala de aulas.
- O desempenho de cargos formais na escola – decorrentes do próprio exercício da profissão - é, no novo estatuto, claramente sobrevalorizado, em detrimento do trabalho docente, tanto na sala de aula, como em todas as actividades pedagógicas e culturais extra-lectivas que se desenvolvem fora das competências inerentes aos referidos cargos. Esta flagrante desvalorização das actividades lectivas, pedagógicas e culturais, essenciais à actividade de qualquer professor, perante a sobrevalorização do exercício dos cargos formalmente prè-estabelecidos, para além de estimular o “garrote” burocrático, que tanto tem vindo a asfixiar a qualidade do ensino em Portugal, lesa ainda a coerência do discurso da valorização do mérito, abalando a sua credibilidade de modo inexorável. Tal contradição é ainda agravada pelo funil da quota, artifício administrativo, em consequência do qual, 2/3 dos professores portugueses estarão injustamente impedidos, ainda que o mérito o justifique, de chegar aos escalões de maior relevo estatutário e remuneratório nas suas carreiras. Será este o prémio com que se pretende motivar os professores, valorizá-los, dignificá-los, como se pode ler no preâmbulo do Decreto-lei 15/2007?! Ou, pelo contrário, será mais um forte contributo para a sua indignação?
- A verticalização da carreira, constituirá mais um obstáculo à salubridade pedagógica das escolas e à eficiência do processo ensino/aprendizagem. É mais uma diferenciação burocrática, que ostensivamente ignora as qualidades que realmente contam na relação pedagógica e cultural do professor com o aluno e com toda a comunidade escolar e educativa. Não é certamente por se desempenharem mais cargos durante mais tempo que se é melhor professor. Esta diferenciação artificial de estatutos e competências irá trazer mais conflitualidade e piorar o ambiente escolar. A introdução forçada do sistema de quotas representa uma profunda injustiça sobre a actividade docente. Estas duas novidades vão contribuir para a desvalorização social e material dos professores. Este não é, em meu entender, o caminho para a avaliação do mérito profissional, a dignificação da classe e mais do que isso, a defesa e qualificação da escola pública. Há uma contradição insanável entre um discurso favorável ao reconhecimento do mérito e da excelência, por um lado, e, por outro, a imposição de quotas para a atribuição de menções de bom e de excelente.
Acresce que, a revogação do antigo artigo 38.º, sob a epígrafe “Equiparação a serviço efectivo docente” - onde se pode ler: “1. É equiparado a serviço efectivo a funções docentes para efeitos de carreira: a) O exercício de cargos de ….. deputado à Assembleia da República, membro do Governo…. Presidente de Câmara, vereador em regime de permanência….. e) o exercício da actividade de dirigente sindical” - acompanhada do já conhecido propósito de regular com retroactividade o primeiro concurso a professor titular, vem colocar cidadãos que, num Estado de Direito democrático, assumiram e assumem o exercício de direitos e deveres políticos na base de um quadro constitucional e legal que salvaguarda efeitos relevantes, numa situação de lesados nos seus direitos legal e constitucionalmente protegidos. O art. 50º, nº2 da Constituição da República Portuguesa estabelece:
- “ Ninguém pode ser prejudicado… na sua carreira profissional… em virtude do exercício de direitos políticos ou de desempenho de cargos públicos.” Trata-se pois de uma inaceitável e grave diminuição de direitos constitucionais e democráticos, a qual será mais uma fonte de indesejável iniquidade e conflitualidade.
Finalmente, reafirmo que sou favorável à mudança e ao reajustamento de carreiras. Trata-se sim de não aceitar modelos que diminuem a dignidade da função docente, penalizadores de uma escola pública de qualidade e de defesa do Estado de Direito.
Palácio de São Bento, 20 de Março de 2007
O Deputado do Partido Socialista
João Cândido da Rocha Bernardo
2 comentários:
Esta declaração de voto é mais uma prova de que o Partido Socialista foi tomado de assalto por uma clique de políticos sem princípios e que se acoitaram no Ministério da Educação a coberto de Sócrates.
O que aqui se diz sobre o novo Estatuto da C. D. é elucidativo.
O ensino em Portugal vai regredir ainda mais, às mãos de um tal Valter Lemos, de um Pedreira Qualquer Coisa e de uma Lurdes Não sei Quê!
A indignação não me permite ser bem educado !!!
Joaquim moedas duarte
Talvez juntos possamos encontrar uma saída: propomos a participação no Encontro em Defesa da Escola Pública no dia 14 de Abril em Algés, no Teatro Amélia Rey Colaço, onde será possível juntar as várias partes implicadas no processo educativo e o livre debate de ideias e propostas de acção.
Um abraço!
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